ele que aparece pega sua mão e diz vem, eu te levo daqui.
o arrepio que percorre a pele quando lê o verso que traz numa pancada uma memória intensa, que ainda não foi, e talvez nunca seja, inteiramente compreendida, e que o faz fechar o livro.
o anseio pelo toque que chega e desmancha todos os nós pelo seu corpo, mudando tudo que se é.
conversando na varanda sobre essa cidade que eles vêem dali de cima, mas na qual já não podem tocar, e que também não pode mais tocar neles, nem percebem o tempo passar e a bebida subir.
senta sozinho na calçada depois do acidente, nenhum osso quebrado e apenas alguns arranhões, ri nervoso, segurando na garganta um choro que vem, como se o susto trouxesse para superfície toda angústia daqueles dias.
primeiro vem e arrebata como uma das fúrias da natureza, deixa o corpo sem saber o que fazer com tantas sensações que pedem atenção naquele mesmo tempo. em seguida vem o alívio, de quando se encontra aquilo que esperava achar, mas que exigiu tanta caminhada, a água gelada da correnteza passando por pés cansados. a gente fica assim à deriva, numa bobeira, sem se preocupar com nada. por fim, a ressaca te põe deitado numa cama com uma sensação agridoce, de quem tem que lidar com uma dor de cabeça enquanto o corpo ainda lembra do toque de quem não está ali, naquele agora. o movimento se repete.
deitado sob a janela, o céu nublado de um dia frio, o quarto escurece com o anoitecer mas não acende as luzes, fica ali, quietinho.
escreve com uma caneta preta pelo braço esperando que ele encontre a mensagem.
está tudo bem. e se não está, é porque ainda vai ficar.
A última parte é uma referência a uma história contada por meio do Twitter chamada Arlindo. Recomendo imensamente: https://twitter.com/ilustralu/status/1338983425185902611