sempre outro lugar


Fomos acordados por um milhão de araras no meio das montanhas. Nem sei dizer como fomos levados para aquela casinha, mas ninguém nos acompanhou no caminho. De uma em uma, ficaram todas as coisas no asfalto das cidades grandes a que pertenciam. E quando a escuridão cobriu tudo, fomos só nós, uma gata carente e as estrelas sobre o telhado.  Não precisamos ser pra ninguém estando só, num jogo de tabuleiro em que uma briga é só uma briga. Do medo, uma piada. Da piada, uma música. Me lembro da aranha que tinha o tamanho de uma mão, mas cresceu até ter o tamanho de uma cabeça. E quando o sol voltou ele voltou só pra iluminar um de nós – pois fique bem aí, não se mexa – pra uma foto que, infelizmente, não pode capturar o que ele tocava no violão e muito menos as nossas risadas. Já se passaram algumas semanas, mas ainda sinto a água gelada em que mergulhei, memória vívida de como me senti acordado como nunca antes, desperto da pele à alma. Pra quem tem a vida distribuída entre os números do relógio, era estranhamente bom ser convidado a viver o tempo que se estende sem forma, guiados pelas cores que ele faz no céu. E, pra quem vive no barulho, aprender a ouvir o que se esconde por entre os momentos de silêncio é um sinal para os tambores de dentro da cabeça descansarem. Se levantássemos os braços, os alienígenas nos levariam e não nos importaríamos. E, sem que precisássemos nos esforçar para acreditar, o caseiro era sobrenatural, a querida que dirigiu o carro era a melhor pilota do país, os novos amigos nos levaram para lugares incríveis, onde nunca pensamos ter coragem de ir antes, as pessoas estavam todas em paz. Do alto das montanhas, no coração do Brasil, não há nostalgia para se sentir, não há mais ninguém pra se ver. Se de lá lhe trago uma pedra, entrego-lhe meu desejo de que esteja sempre bem, de que ande protegido nessa sua vida que se revela no improvável. Lavamos o carro e partimos para algum outro lugar, sempre para algum outro lugar.

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